sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O Samba é Nossa Nobreza

                  A música, ou melhor,  a arte como um todo, mas a música em especial, é uma coisa muito intrigante mesmo. Ela traz à tona quem somos. Chega a ser curioso como pessoas criadas no mesmo ambiente, com quase as mesmas experiências culturais, tenham gostos tão diferentes. Como eu e minhas irmãs, por exemplo.
 Partindo-se do pressuposto que o ser humano é moldável, moldado de acordo com as experiências vivenciadas, alguém não tão perspicaz poderia dizer que, tendo-se três pessoas jovens, inexperientes, com a mesma fonte de  informação cultural e  vivenciando as mesmas experiências juntos, essas três jovens pessoas teriam virtualmente o mesmo gosto cultural. Feliz ou infelizmente não somos tão simples assim. Todos têm uma essência, única, um algo mais que os outros não têm. Esse algo mais, para mim, é o samba.
                Curioso, pois gosto de outros estilos também. Escuto muito erudito, rock, jazz, blues... mas o que realmente mexe comigo, que, quando eu escuto, sinto algo que não sei explicar, algo que te faz dizer: "caramba, é isso!", é só o samba.
 Triste é que, para os desavisados, faz-se necessário dizer de que samba estou falando, o que é realmente lamentável, mas... Lembro de uma história do Mestre Tuisca, grande músico e capoeirista de Anápolis, Goiás, que tive a imensa honra de conhecer. Alma sensível, grande pessoa.
 Ele estava tocando em um evento organizado pela prefeitura da cidade, músicas de compositores como Tom Jobim, Baden Powell, Cartola, Guinga, Vinicius de Moraes, Chico Buarque. Até que chega um grupinho infame de adolescentes e perguntam para o Tuisca: "Puxa, você está tocando MPB né? Toca um samba pra gente?" E o Tuisca, por sua vez, responde, intrigadíssimo com tal pergunta capciosa. Talvez seja uma charada, pensa ele, e então responde, pisando em ovos: "O que vocês chamam de samba? Porque estou tocando samba desde que cheguei aqui". E então os meninos desferem, impiedosamente: "Não, mas a gente ta falando de samba MESMO,  entende?"
                Confesso que morri de tanto rir quando Tuisca me contou essa estória, mas ela encerra algo realmente triste em sua essência, que é o total desconhecimento da cultura brasileira, por parte dos próprios brasileiros.
                Mas, então, alguém pode contra argumentar, me questionando se esse certos tipos  de produções musicais, como as milhares que pululam e proliferam por aí, também não fazem parte da cultura popular brasileira, já que "todos" gostam e escutam, sendo, portanto, inserida no grande universo que é a MPB.
                Digo, em resposta, que isto é uma questão muito delicada. Vamos primeiro tentar definir o que é música popular. Música popular é aquela música que surge dos movimentos que a sociedade faz em seu fluir histórico (Perdoem-me. Coisa de marxista, esse papo de fluir histórico), tendo em seu bojo o contexto histórico, político e social, cujo amadurecimento leva anos, quiçá décadas (como no caso do samba), ou um tipo de música que surge da necessidade do mercado de se ter algo pra se mercantilizar, prencheendo uma lacuna que a ignorância e a falta de informação deixaram? Peguemos, como exemplo, o sertanejo. O sertanejo hoje nas paradas de sucesso tem pouco a ver com o sertanejo de raiz. Está muito mais para Pop Rock do que sertanejo, mesmo. Alguns chamam isso de "evolução", que a música não é algo estático, está sempre se recriando. Eu chamo isso de jogada de marketing, mesmo. A música realmente não é estática, ela se recria, se renova, funde estilos. Seria algo como a seleção natural: O que define a sobrevivência de cada estilo deve ser a identificação que a sociedade tem com o mesmo, e não o apelo comercial que tal estilo tem. Mas parece ser um circulo vicioso, porque, para um estilo ter apelo comercial, é necessário que ele seja previamente bem aceito pela sociedade. Mas vejamos mais profundamente.
                Não é nenhum segredo que, no Brasil, o acesso a informação é extremamente limitado. A única fonte informação realmente presente em todos os lares brasileiros é a televisão/rádio. A bagagem cultural de quem só tem acesso à informação via mídia chega a ser inverossímil de tão parca. Talvez, se houvesse um maior acesso à informação, o cenário cultural brasileiro fosse diferente. Digo talvez porque, como disse lá em cima, existe uma preferência individual por certas coisas que não é adquirido por experiências externas.
Conheço gente com uma visão de mundo bem ampla e profunda e que, no entanto, só gosta de porcaria. Talvez o país seja mesmo destinado à mediocridade cultural, sem conhecer as riquezas que ele mesmo produz. Talvez não. Talvez sim...
 E é nesse contexto que o Clube do Samba Acre tem fundamental importância de não só resgatar o samba enquanto gênero musical, mas também resgate histórico de um estilo de vida, estilo esse que faz parte de nossa bagagem cultural, faz parte da nossa alma brasileira.

                                                                                                Datan Gaio

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Esse é um assunto realmente interessante, Datan. Partindo de um comentário sobre o seu apreço pelo Samba, adentrou em temas sociais que, não de se admirar, (usando um termo popular) são levados ‘a pagode’, porque a própria população possui essas características, essa 'identidade' meio falseta, que vive de releituras, de imitações de Europa ou outros. O Brasil em si é isso tudo de miscigenação e complexidade.
    A música como 'extensão' da arte – digo, como uma de suas vertentes, será a expressão do povo (A arte em si é uma expressão dos anseios sociais). E como não mudaria a música se muda a língua, se mudam as artes plásticas, os valores, os caracteres, as crenças, o amor?... Bem mais ininteligível do que a gente poderia prever, a gente tem essas peculiaridades e certamente, temos o poder de fazer tudo isso mudar. É pena que esse "nós" a quem me refiro acaba sendo o povo em geral, que em maior número, como você mesmo mencionou, não é dotado de uma cultura relevante na captura de [boas] escolhas musicais, artísticas, etc...
    A arte, a música, a dança, o amor, a amizade, o sexo, o mundo em uma perspectiva maior tem se tornado superficial, banalizado...
    Cabe a nós, quem sabe - agora falo das minorias, dos que se importam com essa massificação exacerbada, com a tecnologia que vem substituindo a cultura de ler e escrever, falar bem e se dedicar a relações menos virtuais - tentarmos fazer uma diferença mínima que seja, alcançando o quanto pudermos quando no quesito informativo sobre as verdades ocultas. Como você fez, por exemplo. Mas espero que num futuro próximo seja possível ler ou escrever um texto que se refira a um lado bom da 'cultura' e 'identidades' brasileiras.
    Gostei do texto. E adicionei o ‘clube do samba’ aos favoritos no meu blog! Haha
    ;*

    ResponderExcluir