O samba não é mais belo e nem melhor do que o Rock. Calma bambas, eu explico. Há algum tempo, por exemplo, conheci pessoas que gostam de Rock and Roll, era a época em que eu fazia teatro. Nos encontrávamos às terças e quartas feiras no bairro Manoel Julião, mais precisamente na residência de uma dessas pessoas que adoram tal estilo musical. Eram tempos em que não tínhamos nada para fazer a não ser falar de música, poesia e cinema, tempos em que existia dentro deste mesmo grupo certa disputa para saber qual movimento cultural era melhor: O samba, defendido por mim e por mais uns três, ou o Rock and Roll, defendido pela a maioria, mais ou menos quinze pessoas. Confesso que essas discussões me acrescentaram e muito para ser a pessoa que sou hoje, com uma visão bem mais ampla sobre artes e me fazendo aprofunda-se mais sobre o samba, movimento que eu gosto e levanto a bandeira e, ainda, me fez admirar o movimento do Rock, defendido por boa parte de meus amigos. Nessas discussões, que na medida do possível, sempre foram bem respeitosas, percebi e entendi que tanto o Rock, como o samba, sofreram (r) evolução – Há quem diga involução - e influenciaram o surgimento de outros estilos musicais, bons ou não, mas influenciaram. Ambos os estilos foram e são essencialmente importantes para a formação cultural de várias gerações, contribuindo com a chamada MPB dos dias atuais. Mas o que me deixa um pouco chateado é que mesmo sabendo que, apesar de diferentes, esses movimentos têm sua importância peculiar e devem ser valorizados como música de boa qualidade. Coisa que não acontece, e ainda por cima distorcem o real objetivo do nosso Clube do Samba.
Acontece que alguns dias atrás, em uma mesa de bar, conversando com um “sambista por excelência” – É dessa forma que o miserável se intitula – me fez refletir muito sobre essa disparidade entre o Rock e o Samba, aliás, sobre alguns “Sambistas” e “Roqueiros.” O Tal miserável, vale destacar, é torcedor da Beijar Flor e zomba de mim por eu ser mangueirense, no alto de sua prepotência e burrice, me solta uma pérola bastante infame: “Salve o samba e morte ao Rock! Pra que Rock? Não precisamos do Rock! O Rock é uma besteira sem fim. É zoada desnecessária, é feio, é coisa de gente BURRA! Viva o meu bom e velho samba. Temos que acabar com o Rock e é o Clube do Samba Acre que vai começar com isso porque vocês têm que ter a essência do verdadeiro sambista dentro de vocês”.
Medito sobre o ocorrido desde então. Parece mentira, mas eu me senti ofendido com tantas bobagens, parecia que eu era roqueiro. Contive-me a qualquer reação, e quem me conhece sabe o quanto isso é difícil pra mim, mas hoje, por qualquer motivo, me veio esse episódio em mente. Preciso escrever sobre o meu pavor de ver uma idéia tão bacana como é o Clube do Samba Acre ser distorcida desta maneira por falta de respeito e preparo alheio. Há quem diga que sambista de verdade não gosta do Rock que sambista de verdade odeia roqueiros, que o samba é a única coisa que presta.
Imagino um Clube do Samba cheio de miseráveis como este cidadão, e tremo. Sei de pessoas que, infelizmente, adorariam que só existisse samba (leia-se pagode mauricinho) pra se ouvir e curtir. Mas como esses sambistas por excelência tratariam Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii e os Titãs? Não quero nem pensar no destino de músicas como “Que país é esse?” “Infinita Highway” e “Comida”. Será que prevaleceriam as paupérrimas poesias das músicas de pagode mauricinho? Imaginem vocês saindo de casa para um show do Jeito Moleque ou do Sorriso Maroto? “Ela mexe comigo e pior que não sabe, comentou com os amigos, minha outra metade”. Ora, o pagode mauricinho é derivado do samba, e o aparecimento de mais pagode seria natural se só houvesse o movimento do samba, ou seja, mais merda pra se ouvir.
Já imaginou o que esse tipo de coisa poderia causar? Só samba e nada de Rock? Do jeito que esses sambistas por excelência são, eram capazes de queimar discos do Led Zepellin, Pink Floyd, Ozzy e até mesmo os álbuns maravilhosos do Beatles. Seriam implacáveis e perderíamos todo o acervo do Rei Elvis. Quem, entre esses ditos sambistas, carimbaria alguma música do “zoadento” grupo Angra ou do AC DC? Como ficaria a juventude de outrora sem ser Maluca Beleza ou Metamorfose Ambulante? Como ficaria a música popular brasileira sem Barão vermelho, Rita Lee, Capital Inicial, Raul Seixas, Ira!, Ultrage a Rigor, Paralamas do Sucesso e João Penca e seus miquinhos amestrados? Sepultura e Ratos do Porão nem se fala. Sim, tudo isso ou é Rock ou é banda que sofreu influência deste movimento. Eu fico me perguntando como eu ia descobrir Celly Campelo sem ouvir “Estúpido Cúpido”. Meus livros de português não teriam citações do Renato Russo e Cazuza. E com que música a juventude dos anos 80 seria embalada em tons de protesto contra a ditadura? E o cimena? Ficaríamos sem Bete Balanco, Rock Estrela, Menino do Rio, todos esses filmes sendo influenciados e tendo o Rock como trilha sonora. The Doors? Jimi Hendrix, Janis Joplin? Nem se entra em discussão, quero me manter apenas no Brasil que é a terra mãe do samba. Um Brasil sem o Rock não existiria a Jovem Guarda, o Tropicalismo, o movimento Hippie, esqueçam Roberto Carlos e Caetano Veloso, e os Novos Baianos nunca iam poder curtir a garoa de Sampa. Pepeu Gomes jamais aprenderia tocar guitarra e talvez nunca conheceria Morares Moreira. O Sá, o Rodrix e o Guarabyra não iam fazer o Rock Rural e minha mãe não teria como cantar aquele refrão tão bonito pra mim ao me balançar na rede: “Eu quero uma casa no campo, onde eu possa compor muitos rocks rurais”
Um Brasil sem o Rock significaria o Acre sem o Rock! E então não teríamos A banda Silver Cry, Fire Angel, Pia Villa, banda Dream Healer, Grupo Capu, Nicles, Soldier, Metal Live e Filomedusa e nem a maravilhosa Os Descordantes do meu Amigo Diego. Aliás, o que seria da moçada do Acre sem Los Porongas e Camundogs? Sem essas referências? São tão boas quanto Terreirão do Samba e Roda de Samba, que são os melhores a se destacar no que concerne ao samba, cada um em seu âmbito. O que seria do movimento cultural acreano sem esses roqueiros? Sem Diogo Soares, sem o incansável Pia Villa, sem o Araão Prado? Sem o Saulo, sem o Kílrio, sem o Glauber e tantos outros amantes do Rock and Roll? Cultura Acreana sem Coletivo Catraia? Impossível. Sem falar em outros movimentos culturais do nosso Estado que tiveram a participação efetiva de vários desses citados acima que se esforçaram muito para acontecer. Cada vez que um sambista diz que quer a morte do Rock ele está matando um pouco o Samba. E pedindo licença aos meus amigos sambistas, quero parafrasear Nelson Sargento: “Rock! Agoniza, mas não morre. Alguém sempre te socorre antes do suspiro derradeiro.” Prefiro, sem balbuciar, ler as letras do John Lennon, Jim Morrison, Paul McCartney, Kurt Cobain a qualquer música de um grupo de “samba” como Adryana e a Rapaziada ou Terra Samba.
Não posso esquecer de dizer que Chico Buarque cantava Elvis em seu tempo de escola, que a banda Los Hermanos, conhecida como Rock Alternativo, tem várias composições de samba, que Jorge Ben Jor, com diversos sambas feitos, tem influência do Rock, fato que também é característico do Grupo Novos Baianos. E Todos são sambistas, talvez não por excelência como o meu colega de copo, mas bem mais respeitadores do Rock.
O Clube do Samba Acre tem como uma das suas metas preservar o Samba e defendê-lo, exaltando seus poetas, mestres e cantores. Dizer que queremos que o Rock acabe e que não gostamos de Rock é exagero. Ao contrário, queremos que o verdadeiro Rock and Roll fique mais vivo a cada dia que passa. Um Mundo sem Rock and Roll seria um mundo cheio de sambistas de verdade e não por excelência, tristes e mais pobres culturalmente.
Portanto, Oxalá nos proteja de um mundo sem Rock e que o Zé Pilintra guarde todos os roqueiros. E muito samba na veia.
Rhamom Menezes (@rhamommenezes)